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Decisões do STF reforçam proteção de pessoas com deficiência

Duas decisões recentes do STF reforçaram a proteção de pessoas com deficiências.

As decisões constaram na Edição 1099/2023 do Informativo STF, de 24/06/2023.

A primeira decisão envolvia uma lei do Estado do Piauí, que passou a obrigar as empresas têxteis a insrrir em etiquetas de roupas a descrição em braile (código de linguagem que permite às pessoas com deficiência visual lerem e interpretarem, pelo tato, as informações constantes).

As empresas contestaram a lei, alegando que havia uma violação à livre iniciativa e à livre concorrência.

No entanto, por maioria, o Plenário do STF firmou o entendimento de que pafa a proteção do consumidor/a e da integração de PcDs, a lei era constitucional, mantendo inclusive a possibilidade de aplicação de multas em casos de descumprimento.

Já a segunda decisão, tratou de vagas para estudantes PcDs em escola pública mais próxima de suas residências, no Estado do Amapá.

A lei buscava reduzir o conceito de PcDs, contrariando a Constituição e a Convenção Internacional de PcDs, diminuindo o dever do Estado de adaptação das escolas.

O Plenário do STF, por unanimidade, declarou inconstitucional a tentativa do Estado amapaense de restringir os direitos de PcDs.

Para o professor e advogado Vinicius Valentin Raduan Miguel, os tribunais tem sido mais vezes convocados à dirimir os conflitos sociais.

“Nos casos descritos, fica reafirmada uma posição do Judiciário garantidor de direitos fundamentais, seja para uma dimensão em que a lei estadual amplia direitos, como na legislação sobre a inclusão de braile, seja para barrar retrocessos impostos pelo Legislativo, como no caso em que o Estado do Amapá tentava diminuir o alcance da proteção legal e direito à educação”.

Confira, na íntegra, as decisões.

DIREITO CONSTITUCIONAL – REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS; PRODUÇÃO E CONSUMO; DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; PROTEÇÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

DIREITO DO CONSUMIDOR – DIREITO À INFORMAÇÃO; ETIQUETAS DE ROUPAS EM BRAILE

Empresas industriais do setor têxtil: obrigação de colocar etiquetas em braile nas peças de vestuário em âmbito estadual – ADI 6.989/PI

ODS: 10

Resumo:

É constitucional — pois não verificada violação aos princípios da livre iniciativa (CF/1988, arts. 1º, IV; e 170, “caput”), da livre concorrência (CF/1988, art. 170, IV), da propriedade privada (CF/1988, art. 170, II) e da isonomia (CF/1988, arts. 5º, “caput”; e 19, III), tampouco invasão à competência privativa da União para legislar sobre comércio interestadual (CF/1988, art. 22, VIII) — lei estadual que obriga empresas do setor têxtil a identificarem as peças de roupa com etiquetas em braile ou outro meio acessível que atenda as pessoas com deficiência visual.

Os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa possuem natureza instrumental, de modo que configuram meio para consecução de outros objetivos. Nesse contexto, o estado, no exercício legítimo da normatização, regulamentação e fiscalização da atividade econômica, pode editar diploma legal voltado à implementação dos objetivos fundamentais da República (CF/1988, art. 3º, I, III e IV), à garantia da existência digna de todos — conforme os ditames da justiça social (CF/1988, art. 170, caput) —, e à promoção da dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1º, III), especialmente das pessoas com deficiência.

Ademais, a competência para legislar sobre comércio interestadual e exterior possui natureza genérica, o que permite que os entes federados, dentro das respectivas esferas, legislem de forma específica e conforme o contexto local (1).

Na espécie, a norma estadual impugnada mantém vínculo de correlação com a competência concorrente para legislar sobre produção e consumo (CF/1988, art. 24, V) e sobre proteção e integração social das pessoas com deficiência (CF/1988, art. 24, XIV). No entanto, os efeitos da referida norma devem se exaurir nos limites territoriais do Estado do Piauí, sob pena de afetar, de forma inconstitucional, o mercado interestadual.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para declarar a nulidade parcial sem redução de texto da Lei 7.465/2021 do Estado do Piauí (2), a fim de excluir do seu âmbito de aplicabilidade a indústria têxtil não sediada no referido ente federado.

(1) Precedentes citados: ADI 5.126; ADI 2.832 e ADI 903.

(2) Lei 7.465/2021 do Estado do Piauí: “Art. 1º Ficam as empresas do setor têxtil obrigadas a identificarem as peças de vestuário pelas mesmas produzidas com etiquetas em braile ou outro meio acessível que atenda as pessoas com deficiência visual. § 1º As etiquetas de que trata o caput deste artigo deverão conter, no mínimo, informações quanto a cor e tamanho da peça. § 2º Fica vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza pelas empresas do setor têxtil para o cumprimento do disposto nesta Lei. Art. 2º O descumprimento ao que dispõe a presente Lei acarretará na aplicação de multa no valor de 2.000 (dois mil) UFIRs-PI (Unidade Fiscal de Referência do Estado do Piauí), a ser revertida para o Fundo Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência – FUNEDE-PI, aplicada em dobro no caso de reincidência, não obstante as demais cominações legais previstas no Código de Defesa do Consumidor , sendo incumbência do Poder Executivo, por seu órgão competente, a fiscalização de seu cumprimento e aplicação de eventuais multas. Art. 3º As empresas do setor têxtil terão o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para se adequarem ao disposto nesta Lei, contados da data de sua publicação. Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

ADI 6.989/PI, relatora Ministra Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 16.6.2023 (sexta-feira), às 23:59

DIREITO CONSTITUCIONAL – REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS; EDUCAÇÃO INCLUSIVA; PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Vagas para alunos com deficiência em escola pública mais próxima de sua residência – ADI 7.028/AP

ODS: 4

Tese fixada:

“É inconstitucional lei estadual que (a) reduza o conceito de pessoas com deficiência previsto na Constituição, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de estatura constitucional, e na lei federal de normas gerais; (b) desconsidere, para a aferição da deficiência, a avaliação biopsicossocial por equipe multiprofissional e interdisciplinar prevista pela lei federal; ou (c) exclua o dever de adaptação de unidade escolar para o ensino inclusivo.”

Resumo:

É inconstitucional norma estadual que, a pretexto de legislar sobre os direitos das pessoas com deficiência (PcD), restringe o conceito de PcD estabelecido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência — incorporada ao direito interno como norma constitucional (Decreto 6.949/2009) (1) —, bem como contraria regras gerais sobre o tema previstas na Lei federal 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Na espécie, a competência legislativa suplementar (CF/1988, art. 24, XIV e § 2º) não autoriza que determinada unidade federativa restrinja o conteúdo de lei federal quanto ao alcance da proteção destinada às PcD — seja com a segregação daqueles com tipo de deficiência específica, seja com a modificação dos critérios para aferição da deficiência — ou, ainda, no que diz respeito à valorização e priorização do ensino inclusivo (2).

Ademais, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de incentivar a educação livre de discriminação (CF/1988, art. 208, III), de modo que não se justifica eximir as escolas, ainda sem preparo, do dever de prestar a educação inclusiva (3).

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade: da expressão “física, mental ou sensorial”, constante do art. 1º, caput; da expressão “decorrentes de problemas visuais, auditivos, mentais, motores, ou má formação congênita”, constante do art. 1º, § 4º, ambos da Lei 2.151/2017 do Estado do Amapá; bem como dos arts. 1º, § 5º, e 3º, da mesma lei amapaense (4).

(1) Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência: “Art. 1º. (…) Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas”.

(2) Lei 13.146/2015: “Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: (…). Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar: I – sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;”

(3) Precedentes citados: ADI 5.357 MC-Ref e ADI 6.590 MC-Ref.

(4) Lei 2.151/2017 do Estado do Amapá: “Art. 1º Fica assegurada à pessoa com deficiência física, mental ou sensorial a prioridade de vaga em escola pública, que esteja localizada mais próxima de sua residência. (…) § 4º Consideram-se deficiências, para efeitos desta Lei, todas aquelas classificadas pela Organização Mundial da Saúde e que necessitam de assistência especial, decorrentes de problemas visuais, auditivos, mentais, motores, ou má formação congênita. § 5º As deficiências dos estudantes beneficiados serão comprovadas por meio de laudo médico fornecido por instituições médico-hospitalares públicas e competentes para prestar tal comprovação. (…) Art. 3º Ficam excluídos da prioridade de que o art. 1º os estabelecimentos de ensino que não possuam as condições necessárias para educação de portadores de deficiência mental e sensorial.”

ADI 7.028/AP, relator Ministro Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 16.6.2023 (sexta-feira), às 23:59

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