A escravid\u00e3o no Brasil principia no s\u00e9culo 16 e durou at\u00e9 13 de maio de 1888, com a Lei \u00c1urea. Isso enquanto igualdade formal, embora suas pr\u00e1ticas e chagas persistam em nossa sociedade.<\/p>\n\n\n\n

“A escravid\u00e3o permanecer\u00e1 por muito tempo como a caracter\u00edstica nacional do Brasil”, j\u00e1 arrematara anos antes um dos mais ilustres intelectuais e pol\u00edticos que a Am\u00e9rica Latina produziu, o diplomata Joaquim Nabuco.<\/p>\n\n\n\n

O que pouco se anota \u00e9 que a Aboli\u00e7\u00e3o da Escravatura (em 1888) levou as elites econ\u00f4micas, ent\u00e3o dependentes da m\u00e3o de obra escravizada, se deslocaram abra\u00e7ando a proposta da derrubada da Monarquia e da imposi\u00e7\u00e3o, via quartelada, da Proclama\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica, em 1889.<\/p>\n\n\n\n

Era 14 de dezembro de 1890, o ent\u00e3o Ministro da Fazenda, Ruy Barbosa ordenava a destrui\u00e7\u00e3o de documentos referentes \u00e0 escravid\u00e3o. O “funest\u00edssimo” evento deveria ser apagado de nossa hist\u00f3ria nacional, segundo o jurista. O fato, question\u00e1vel, levou ao intento de supress\u00e3o da hist\u00f3ria nacional.<\/p>\n\n\n\n

Duas revoltas populares ocorrem nesse breve per\u00edodo, a Revolta da Vacina (1904) e da Chibata (1910), com forte tons de higienismo social e racismo. Era a popula\u00e7\u00e3o negra a que se via lan\u00e7ada nas periferias e corti\u00e7os onde se disseminavam doen\u00e7as transmiss\u00edveis, como coqueluche e tuberculose. J\u00e1 a segunda, deu-se da insurrei\u00e7\u00e3o de marinheiros, em sua esmagadora maioria pretos, contra os “bolos”, palmat\u00f3rias e o signo maior do poder escravista-senhorial: o chicote!<\/p>\n\n\n\n

Se os castigos f\u00edsicos foram formalmente abolidos, n\u00e3o houve perd\u00e3o aos revoltosos. Aos sobreviventes, da Revolta da Vacina e da Chibata, se imp\u00f4s o degredo \u00e0 Amaz\u00f4nia e seus seringais. Muitos morreram.<\/p>\n\n\n\n

Os casos de racismo se seguiram. Em 1951, ap\u00f3s irromper uma forte como\u00e7\u00e3o com a proibi\u00e7\u00e3o de ingresso de uma artista estadunidense em hotel no RJ, Katherine Dunham inspirou o Deputado Afonso Arinos \u00e0 apresentar a lei hom\u00f4nima, colocando o racismo no repert\u00f3rio de contraven\u00e7\u00f5es penais do pa\u00eds.<\/p>\n\n\n\n

At\u00e9 que irrompe-se a Constitui\u00e7\u00e3o Federal, em 1988, foi a \u00fanica norma antidiscrimina\u00e7\u00e3o vigente no pa\u00eds. Ap\u00f3s a Constitui\u00e7\u00e3o, outras normas, penais e inclusivo-afirmativas foram se avolumando em nosso sistema jur\u00eddico.<\/p>\n\n\n\n

E o que isso tudo tem a ver com o caso Samantha Vitena Barbosa, a estudande de mestrado da Funda\u00e7\u00e3o Oswaldo Cruz, que estava em um voo que seguiria de Salvador (BA) a Congonhas (SP) esse final de semana?<\/p>\n\n\n\n

Tudo!<\/p>\n\n\n\n

Trata-se de mais um epis\u00f3dio do racismo estrutural que n\u00e3o foi apagado por Barbosa ou pelos esfor\u00e7os de Nabuco.<\/p>\n\n\n\n

Racismo \u00e9 uma viol\u00eancia dirigida, que permeia v\u00e1rias rela\u00e7\u00f5es sociais e interpessoais. H\u00e1 um racismo individual, que nos recusamos a perceber, e um racismo institucional, mais sutilmente presente e mascarado entre camadas de vieses cognitivo-pol\u00edticos.<\/p>\n\n\n\n

A resposta de agentes da Pol\u00edcia Federal, de se disporem a retirar uma passageira que era ela pr\u00f3pria v\u00edtima de racismo \u00e9 um sintoma que uma Educa\u00e7\u00e3o em Direitos Humanos \u00e9 fundamentalmente necess\u00e1ria para as for\u00e7as de seguran\u00e7a. O Minist\u00e9rio de Justi\u00e7a precisa recuperar esses programas e avan\u00e7ar na tem\u00e1tica.<\/p>\n\n\n\n

Ademais, a Gol Linhas A\u00e9reas, empresa onde ocorreu o triste epis\u00f3dio, precisa urgentemente dar in\u00edcio \u00e0 uma Pol\u00edtica de Diversidade e Inclus\u00e3o, com foco em letramento para a antidiscrimina\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o \u00e9 de hoje que a empresa \u00e9 delatada na impresa e tribunais por atos de capacitismo, discrimina\u00e7\u00e3o e, agora, racismo. Anac, Procon e demais \u00f3rg\u00e3os fiscalizat\u00f3rios precisam exigir essa mudan\u00e7a de postura desta e demais empresas.<\/p>\n\n\n\n

Mas, h\u00e1, ainda, outro ponto, da ordem individual. Eram dezenas de passageiros e passageiras naquele voo. Se todos tivessem se postado de p\u00e9, o avi\u00e3o na decolaria. Se todos tivessem se recusado a assistir o tr\u00e1gico epis\u00f3dio e fechado o corredor com seus corpos e bagagens, Samantha n\u00e3o teria sido retirada.<\/p>\n\n\n\n

Que saibamos que diante do racismo, podemos ser antirracistas ativamente.<\/p>\n\n\n\n

Podemos ser como Rosa Parks, nos EUA, em 1955, no c\u00e9lebre evento no \u00f4nibus quando negou-se a acatar uma ordem racista. A isso, seguiram 13 meses de boicote \u00e0 empresa de \u00f4nibus.<\/p>\n\n\n\n

Este \u00e9 um chamado \u00e0 a\u00e7\u00e3o. Um chamado \u00e0 desobedi\u00eancia de cada ordem racista.<\/p>\n\n\n\n

Vinicius Valentin Raduan Miguel
Professor. Advogado<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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