Prezada Deputada,
Espero que esteja bem. Escrevo esta carta porque vi uma notícia em que a senhora anunciava uma “frente parlamentar em favor das mães atípicas”.
Bom. Sua manifestação parece eivada de boa vontade. Mas não posso deixar de fazer algumas ponderações.
Quando a Prefeitura de Porto Velho ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a “Política pública para garantia, proteção e ampliação dos direitos das pessoas com Transtornos do Espectro Autismo, e dá outras providências” (Lei Municipal 2.782, de 2020), a senhora se pronunciou?
A senhora sabe, por acaso, que a Prefeitura de Porto Velho, vem negando o desconto de IPTU às famílias neurodivergentes (e de demais deficiências), afastando a vigência de lei municipal por também ter ajuizado medida para declarar sua (suposta) inconstitucionalidade?
Mas, tudo bem, a senhora não é mais vereadora…
Ocupou por algum tempo a cadeira de gestora da Secretaria Estadual de Educação (Seduc/RO), certo?
Na posição de ex-Secretária Estadual de Educação, a senhora consegue se recordar quantos acompanhantes especializados foram contratados para auxiliar crianças e adolescentes autistas e, assim, dar eficácia à Lei Berenice Piana (art. 3o, Parágrafo Único)?
Conseguiria rememorar quantas campanhas, eventos ou atividades foram realizadas pela Seduc/RO, na sua gestão, para trazer a participação da comunidade na formulação de políticas públicas educacionais?
Não vou alongar no tema da Educação, um direito por demais sonegado às crianças autistas e suas famílias.
Vou perguntar sobre a identificação, no Registro Geral, expedido pela Secretaria Estadual de Segurança, Defesa e Cidadania (Sesdec/RO).
A senhora sabe que o órgão não possui condições de registrar dados indispensáveis a “dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista” no Brasil, negando efetividade ao comando legal (art. 2o, VIII, da mesma legislação)?
Não saber não é ruim. Como profissional da Educação, eu gosto de pensar que sempre é tempo de aprender.
Não vou também me apegar ao seu passado, como legisladora municipal ou como gestora, que pouco contribuiu para a pauta de autismos, deficiências e outros.
Vou olhar para o futuro. A senhora tem um futuro promissor na política rondoniense. Sua trajetória demonstra suas capacidades de comunicadora. Use isso para, de fato, aprender sobre a temática.
Use sua empatia de mãe, como a senhora insistiu em trazer em seu anúncio, para fiscalizar a péssima execução de políticas de diversidade e inclusão.
Use sua sapiência e conhecimentos bíblicos, para, somados ao seu cargo de Deputada, denunciar a política de assassinato intelectual e de incapacitação do desenvolvimento das crianças autistas, com deficiências e doenças raras.
Denuncie a necropolítica, esta implantada pelo Governo Estadual, que sonega mesmo atendimento médico que possibilite mesmo o diagnóstico e atualização de laudos (como quem cita Mateus, 19:14, “Jesus, porém, disse: Deixai as crianças e não as impeçais de virem a mim, porque de tais é o reino dos céus”).
Não se recusa uma aliada. E a pauta de autismos, deficiências e doenças raras precisa de cada aliado ou parceria possível.
Nessa condição, o meu desabafo é que estamos cansados das retóricas, dos populismos que exploram o sofrimento das famílias e suas crianças e, por fim, das demagogias midiáticas que tentam se beneficiar das vulnerabilidades de pessoas com deficiências, sem ações concretas e palpáveis.
Aqui, indicaria três linhas imediatas que pedem ação.
A primeira é o papel fiscalizatório. Como indicado, há um profundo déficit na efetivação de leis já consolidadas. A execução orçamentária e política é inadequada. Garantir direitos básicos tem sido um ponto de fracasso do Governo Estadual. Acessar consultas médicas, tratamentos e medicamentos tem sido uma tarefa impossível.
A segunda linha é inserir na discussão política o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento e a valorização da Ciência e Tecnologia. Este pode ser um caminho para novas terapêuticas, descobertas de fármacos e mudanças institucionais e atitudinais. É um caminho que merece um olhar atento. Conhecer e apoiar as iniciativas nas universidades e institutos federais é algo necessário também.
Por fim e não menos importante, é essencial olhar para as condições de privação e pobreza que afetam as pessoas com autismo, deficiências e doenças raras. Assegurar uma renda básica mínima às famílias, pessoas com deficiências e doenças raras é outro aspecto negligenciado. Não ignore a intersecção entre pobreza e exclusão nesse público.
Temos uma longa distância a percorrer em busca de sociedade inclusiva.
Fraternalmente,
Vinicius Valentin Raduan Miguel
É especialista em Administração Pública (CIPAD-FGV). Doutor em Ciência Política (UFRGS). Integrou a coordenação-geral da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente. Professor da Universidade Federal de Rondônia, onde, atualmente, pesquisa e coordena projetos na temática de Saúde Mental e Direitos Humanos, com foco em autismo, deficiências e neurodiversidades.